INVENTÁRIO E.

Embriaga-me a noite estrelada
a pensar nas estrelas distantes.
Seduz-me o que ignoro.
Sinto o que adivinho.
Silêncio fecundo.

...de onde venho...


Meus avós são de descendência italiana.
Não tive contato com meus avós paternos.

A família, ambos os lados , nunca fora unida. Não haviam comemorações em conjunto. Todos eram católicos. Mas não se reuniam nas festas tradicionais.
Isso ocorre após minha avo EMA ter filhos e netos.
A família passa a se reuni no natal, na casa de dona Ema.

Minha mãe sempre gostou de ir aos bailes dançantes. Chegou a ser rainha do baile duas vezes. Não perdia nenhum carnaval. 
Sempre gostei de ouvir suas histórias de rainha, de como fazia para meu avô seu Natali Bianco, deixá-la sair para o baile. Gostava de ouvir que era ela quem confeccionava as próprias roupas. Na casa de minha avó, a Dona Ema, havia uma máquina de costura de pedal. Era lá que minha mãe fazia suas roupas de rainha e princesa... sempre que estava na casa de minha avó, passava muito tempo olhando para todos os detalhes daquel maravilhosa máquina feiticeira, sabia de todas as gavetas, das agulhas e linhas escondidas. Sempre testava o pedal para ver se funcionava bem. sempre prendia o dedo em sua roda e engolia o choro para não denunciar minha curiosidade...

Minha mãe contou esses dias que, na época de São Gonçalo, ia numa casa dançar congada com as amigas.
Ela lembra a música:
“ai, meu divino espirito santo, ai ai...”, onde, em duas filas, vinham de encontro, batiam os ombros (cruzados), e trocavam de fila. Depois faziam reverência ao rei. Foi a primeira vez que ouvi esta história.

Eu lembro de participar de desfiles de carnaval desde pequena, de confeccionar os figurinos, de juntar os confetes no salão. no armério debaixo da televisão de minha avó havia uma caixa com todas as fantasias de carnavais anteriores... lembro da de elefante e de macaco, muito quentes de vestir, mas mesmo assim eu adorava usá-las. Tinha a fantasia de odalisca, uma azul e uma vermelha. eram mágicas!! e bailarinas e vários tecidos coloridos que a cada momento serviam para uma nova invenção.



Minhas lembranças de festejos, resumem-se a procissões em dias santos – eu ia, de vestido branco, segurando uma velinha na mão – quermesses, presépios e quadrilhas. Gostávamos de “malhar o judas” na sexta feira santa: a rua inteira se unia pra confeccionar o judas, e juntávamos moedas para comprar as bombinhas.

Mas isso foi se perdendo, na adolescência já não fazia mais nada disso. Carnaval sim... “Brinquei” carnaval até a adolescência. 

Desde criança, entrei na academia de dança de meu bairro. Minhas lembranças então, acabam se mesclando com as lembranças das coreografias da academia...

Na rua onde eu morava, haviam muitas crianças. Brincávamos, ate tarde, de todas as brincadeiras de rua que se possa imaginar. As meninas se reuniam, e tínhamos um grupo de dança: ensaiávamos coreografias, inventadas por nós mesmos, e apresentávamos nas festas de aniversario. Ensaiávamos varia vezes na semana, tínhamos um repertorio!!

Brincávamos de teatro, onde encenávamos historias de terror (sempre de vampiros).
Chegávamos a desconfiar que o drácula da brincadeira, na verdade, irava lobisomem nas sextas!!


Nos reuníamos sempre, para inventar novos enredos, novas coreografias e até arriscávamos algumas composições musicais.
 Minha família sempre foi muito pequena, e não tinha primos na minha idade. Então eu acabei criando vínculos com esses “amigos da rua”, mais do que com a família e religião.


...crenças...

Nunca tive nenhum vinculo religioso mais significativo. Fiz minha primeira comunhão porque uma tia insistiu, mas lembro de minha sensação até hoje: achava tudo muito esquisito, não entendia, mas ficava quieta pra não ter problemas.  Essa mesma tia me levava nas novenas na vizinhança. Eu sempre dormia... Mas gostava de ir. Gostava de ouvir as ladainhas, de acompanhar o terço, e ver se ninguém estava esquecendo nenhum pai-nosso ou uma ave-maria...

Tenho minha fé miscigenada: tomo passe, rezo pai-nosso, vou em casa de umbanda, ascendo incenso, leio tarô, rezo pro anjo da guarda, tenho uma cabeça de buda no meu altarzinho, ascendo vela pra Iemanjá, vou em missa de sétimo dia...


... minha história... meu quintal...

Pierina, rezas, croche, receitas, trem, aniversários.
mãe da rua, pega-bandeira...
Pão com banana, bolacha na lata da tia.
Vó Ema, bolacha na lata da vó, pão, café.
corte no dedo, mão de Maguila.
Romã, café no pé, babosa, rosa, tatu, azaleia, terra
Natalin, serragem, serra, madeira, oficina, ferramentas...
Natali tinha dedos duros e fortes. 
Tocava aquele acordeon vermelho no quarto.
Cabelos ralos, que eu penteava sempre...
Casa de tia pierina, queijo ralado, leite em pó, 
cheiro do guarda roupa,
Receitas, doces, crochê
azeitonas, tira-caroço-de-azeitona,
xícaras vermelhas,
banheiro com chão alaranjado e paredes brancas,
sala de tacos,
coleção de garrafinhas no baú da estante, que dava aquele cheiro.


Brincadeira de comida de flores, experiências com tatu bola,
matar formiga com lente, afogar formigas
fugir das abelhas da romã. 
Cor de azaleia era roxa, vermelha e branca.
Boldo era ruim e peludo,
Café doce e vermelho,
Rosas e babosas com espinhos....
A bicicleta maior, azul clara, era de Ana Paula...

Guardo comigo os crochês de Tia Pierina.

Guardo seu caderno de receitas.
Guardo suas xícaras vermelhas.
Guardo na memória suas fotos e o cheiro do seu guarda-roupa: não era tão bom, mas toda vez que  eu ia até a casa dela, abria seu guarda-roupa e verificava seu cheiro. Sim, ainda estava lá...

Lembro de uma mala vermelha um pouco transparente, que usava quando ia visitar minha mãe em São Paulo.

Fazia fila com azeitonas prestes a perderem seus caroços.
Fazia fila com os pedaços de pão prestes a se derreterem no mar de leite quente.
Leite de rosas, água de colônia, perfume de alfazema.

Todos na penteadeira que, segundo dona Ema, tinha que ficar coberta com um lençol depois do almoço...






Um comentário:

  1. Lendo seu invetário, 3 imagens ficaram bem marcadas e que ,de repente em um momento mais oportuno, você possa investigar. A primeira foi o clima de festejo e dança no seu primeiro relato! Vem desde as histórias que sua mãe te contava, até festejos que você mesmo participava. Muitos deles relacionado de alguma forma com uma manifestaçao religiosa. A Segunda foi a rua como sendo quase seu quintal. Está relacionada também com uma espécie de caminho que se percorre. Como quando participava da procissao, ou quando ia para a casa de sua avó. Esse imaginário da rua tem muito movimento para te contar. E a terceira está relacionada com a sua Tia Pierina. Essa é uma personagem em sua história que merecia uma investigaçao. É possivel ver uma relaçao bastante afetiva, mesmo que inconscientemente. Os objetos que você possui dela... enfim, acredito que haja uma história muito bonita aí, e que merece uma investigaçao futura, que pode gerar até em uma criaçao artística! Tudo aqui é somente uma observaçao minha, sendo apenas sugestões. Mas você caminhou muito bem nessa parte da construçao do invetário. Gostei muito do que li!

    ResponderExcluir