domingo, 23 de fevereiro de 2014

Laboratórios Corporais: contribuições de Renata Lima


          Renata Lima, Profa. Dra. do Curso de Licenciatura em Dança da UFG, teve importância fundamental no processo de construção do espetáculo CAÇADA. Ao longo do processo, Renata assumiu a direção de cena do espetáculo, ou seja, orientava e dirigia nossas descobertas corporais em laboratório para se tornarem cenas do espetáculo que estava por vir. Renata Lima já possui um trabalho de pesquisa e produção artística em cultura popular já consolidado. Por isso sua importância: o desafio de trabalhar com intérpretes sem nenhum histórico de cultura popular em sua prática artística visando à realização de um espetáculo inspirado em manifestações populares.
          Segundo Renata,

Logo no primeiro laboratório, conduzidos a partir da instalação corporal, método de preparação corporal e processo de criação sistematizado por mim nas pesquisas de mestrado e doutorado, surgiram as primeiras matrizes: uma mulher bicho, um homem enraizado e a necessidade de se trabalhar com vocalidades. Depois de mais alguns laboratórios o enredo do trabalho já se definia: fé, boi, vaqueiro, a morte do boi, o renascimento e a festa. A partir daí, o meu trabalho foi o de estimular os bailarinos a desenvolverem partituras corporais a partir de cada matriz e a encontrar o“estado corporal” que definiriam essas partituras como dramaturgias corporais. Aos poucos e sempre a partir do recurso do jogo e da improvisação, o argumento de Érica e Rodrigo ia se definindo e dando pistas de como organizar todo esse material em forma de um roteiro, foi então que teve inicio o meu trabalho de direção de cena.

          

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Inventário Corporal e DOJO: contribuições de Maria Fernanda

Para dar continuidade aos processos de laboratórios corporais, iniciamos, sob a orientação de Maria Fernanda Miranda, a construção do inventário pessoal (Parte integrante da Metodologia de Criação Proposto por Graziela Rodrigues denominada de Bailarino-pesquisador-intérprete) e de laboratórios de "dojo".Segundo Rodrigues, o "dojo*" pode trazer momentos preciosos em que a cultura se manifesta no corpo do intérprete sob tal processo de busca pessoal. Nesta etapa são desenvolvidos alguns exercícios para a busca de "marcas", impressões corporais sobre a história cultural e social de cada um. Podemos encontrar estados corporais únicos, sem que se tenha a intenção racional de atingi-los.

Segundo Rodrigues, ao assumirmos a história que carregamos no corpo abrimos uma possibilidade para a criação de uma obra cênica com muito mais vitalidade, por ser criada de dentro para fora. Segundo Ana Carolina Melchert, diretora corporal de trabalhos que envolvam o método BPI proposto por Rodrigues, a Matriz corporal (ou de movimento) é um movimento que agrega conteúdos pertinentes a uma dada manifestação e possui um caráter gerador de paisagens, sensações, sentimentos e movimentos. 
...


Iniciamos com o inventário pessoal por acreditarmos que muito do que foi e de como foi registrado no corpo dos bailarinos durante pesquisa de campo possui uma intima ligação com a história pessoal e memória afetiva/cinestésica dos intérpretes. 

Se conseguirmos trazer para a interpretação cênica esses conteúdos intrínsecos da história cultural pessoal de cada intérprete , poderemos chegar a uma expressividade mais coerente com a proposta da pesquisa cênica Paisagens Corporais.  Assumir a história pessoal cultural como parte essencial  do corpo cênico pode ampliar a receptividade dos intérpretes criadores na observação do "outro", na consciência da alteridade manifesta.

Dojo. Ferramenta de laboratório corporal proposto por Rodrigues em seu método BPI. Espaço em forma de circulo delimitado pelo próprio bailarino para a emanação das memórias de seu corpo. Para Rodrigues, o Dojo é uma ferramenta base para o reconhecimento do que foi registrado com a pesquisa de campo, assim como a descoberta de matrizes corporais que podem ser exploradas para a construção de uma cena ou mesmo de um fio que permeia toda a obra cênica. É nesse espaço que podem surgir "personagens", que tanto podem ser uma pessoa que nos marcou durante a pesquisa, ou um emaranhado de características e imagens que acabam por moldar essa personagem. 

... modela em seu corpo os corpos frutos de suas imagens, com tonacidades musculares específicas. Posturas e impulsos tornam-se formas em movimentos com significados” (Rodrigues 2003) [1]




[1]Rodrigues. G.E.F. (2003) O Método Bailarino-pesquisador-intérprete e o desenvolvimento da imagem corporal: reflexões que consideram o discurso de bailarinas que vivenciaram um processo criativo baseado neste método. Tese de Doutorado – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 

domingo, 18 de agosto de 2013

A origem de CAÇADA

  A experiência com a manifestação "A Caçada da Rainha"que vivenciamos em Colinas do Sul em julho de 2012, mais tarde expandiria nossos olhares, fazendo com que deparássemos com novas descobertas, tanto sobre nosso repertório corporal como em campos mais subjetivos.



        
   Mais tarde viríamos a tratar o projeto 'Paisagens Corporais' como simplesmente- e complexamente - de "Caçada". Esse nome não apenas intitulou a obra cênico-musical com exposição de fotos e videoinstalação do projeto, como também significou toda essa busca da essencialidade, busca individual e subjetiva de cada 'um' artista pesquisador participante e a busca coletiva em aprimorar o que desse projeto começou a brotar.

A Pesquisa de campo

          Com o grupo de músicos Sertão, a fotógrafa Layza Vasconcelos e a artista plástica Anna Behatriz, durante 12 dias de julho de 2012, estivemos juntos nas cidades de Colinas do Sul e Cavalcante. Lá pisamos juntos e ouvimos as pisadas de seus foliões, seus cantos, danças, comidas e festejos. Mesmo rodeada e envolta dos ruídos e sujeiras comuns das urbes, conseguimos, cada um à sua maneira singular, absorver aquilo que nos parecia mais essencial. Não tínhamos a intenção de reproduzir o que assistíamos e sim a de deixar que tal experiênciaprovinda do contato e observação nos despertasse memórias e histórias vividas pessoalmente por cada um. 

Cada artista tinha total autonomia para registrar suas impressõesde forma muito autoral. Com isso, reunimos um material riquíssimo de pesquisa, entre depoimentos, registros fotográficos, sonoros e audiovisuais, além dos registros sinestésicos, feitos no corpo de cada artista participante, a partir de sua experiência individual durante essa etapa da pesquisa. Acreditamos que este registro corporal individual da experiência vivenciada em campo tenha sido o mais importante de todos.  A partir destas impressões individuais, o processo criativo transbordou e irrigou todas as etapas subsequentes do projeto Paisagens Corporais. 

Paisagens a fora

    Seguimos pesquisando e nos adentrando nestas imagens-sensações, compartilhando nossas impressões com a equipe envolvida neste projeto de pesquisa. Assim seguimos até a tão esperada viagem de campo, adentrando mais no Cerrado de Goiás, deixando a cidade grande para trás, caçando as nossas essencialidades, aprimorando nossas emoções.



   
     E fomos parar em Colinas do Sul, fomos caçar a Rainha e aguçar nossa fé nas maneiras mais simples de viver, acompanhando pessoas mais simples em seus afazeres e arrumações e, depois seguimos para Cavalcante, para a comunidade Kalunga do Engenho 2, onde nos encontramos e nos fortalecemos na presença dessa comunidade que há tanto tempo vem se preservando, numa relação mais próxima com Terra, e nos banhamos nas águas de Santa Bárbara.

Paisagens cerradas

   No início do processo de pesquisa de Paisagens Corporais, um dos aspectos que nos chamou bastante atenção foi essa peculiaridade do Cerrado ser o berço das águas do país. De dentro de um coração quase racha em períodos de secas jorram águas azuis e cristalinas que se alastram e nutrem terras por todo o Brasil. Sutilmente, esta imagem-sugestão do Cerrado como berço das águas começou a nos despertar um sentimento de 'busca', e fomos conduzidos por peregrinações internas e subjetivas, lançando novas raízes que atravessavam nossas partes mais secas e áridas, em busca de nascentes mais profundas e limpas dentro de nós mesmos. 


   Três imagens ficaram muito presentes:

· os ipês – que no auge da agonia da seca, choram flores;

· a ecdise e o canto das cigarras – o abandono das velhas estruturas e o canto eufórico em busca de seus pares, em épocas que o período da chuva se anuncia;

·a revoada das 'aleluias' –que também saem da terra, aladas e frenéticas, em busca de um perfeito acasalamento.

      As três imagens tinham algo em comum, que nos era precioso enquanto imagem poética: uma forte relação com a terra e a busca dos céus, a sublimação da vida. Ficamos mais atentos a qualquer ipê florido de Goiânia, aprendemos a contemplar beleza nas coisas áridas. E quando ouvimos uma cigarra, ou quando presenciamos uma revoada de aleluias, bate um alívio: a chuva está chegando... Aleluia! Uma mistura de fé na vida com uma saudade...  

      Os ipês nos contavam - pelas suas floradas - da importância dos tempos áridos, as cigarras e aleluias cantavam os segredos da esperança e da fé. 

     Para nós, tais imagens eram metáfora da peregrinação humana, em busca do essencial, em busca do sagrado. Era nossa caçada começando a surgir...E no umbigo dessa busca, desta caça, as águas jorravam e as emoções transbordavam.